Análise do Soneto de separação, Vinícius de Morais

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Análise do Soneto de separação, Vinícius de Morais

ANÁLISE CRÍTICA DO POEMA “SONETO DE SEPARAÇÃO”, DE VINÍCIUS DE MORAIS

Rebeca Rodrigues de Santana

Data de publicação: 11/03/2015

1          INTRODUÇÃO

            Neste trabalho objetivamos apresentar uma análise do poema “Soneto de Separação”, de Vinícius de Morais segundo o viés da fenomenologia.

           Segundo a teoria da fenomenologia apresentada por Ingarden (apud KIELING, 2006) a obra literária consiste em uma produção formada por quatro estratos, “que lhe conferem o caráter de construção orgânica, cuja unidade se baseia na particularidade dessas camadas singulares (p. 1)”, sendo estes: o estrato das formações fônico-linguísticas, que abrange não só a palavra, mas também a frase, como unidade sonora em que os fonemas se articulam e operam contrastes; o estrato das unidades de significação, que comporta o significado da palavra ou o sentido de uma formação linguística superior; o estrato dos aspectos esquematizados, que se caracteriza por uma ou outra aparência na qual visualizamos o objeto da representação e o estrato das objetividades apresentadas, que abarca aquilo de que se fala na obra ou o que nela está representado (INGARDEN  apud KIELING, 2006).

De acordo com tal pressuposto teórico e com o auxílio da obra “Versos, sons e ritmos (GOLDESTEIN, 2008)” fizemos a referida análise.

2          ANÁLISE  

         No estrato das formações fônico-linguísticas da fenomenologia insere-se a métrica segundo a qual todos os versos do poema “Soneto de separação”, de Vinícius de Morais, possuem dez sílabas poéticas que, segundo Norma Goldstein (2008), nem sempre correspondem ás sílabas gramaticais, pois “o leitor-ouvinte pode juntar (ou separar) sílabas, quando houver encontro de vogais, de acordo com a melodia do verso (p.6) ”. Esses versos são nomeados decassílabos e seu esquema rítmico é (6 – 10), pois são acentuados na sexta e na décima sílabas poéticas, versos decassílabos com tal esquema são chamados heroicos.

            Com relação ás rimas todas são externas, pois aparecem ao final dos versos; são consoantes, pois apresentam semelhança entre vogais e consoantes e são graves, pois são formadas por palavras paroxítonas.

            No primeira estrofe as rimas ocorrem entre as palavras “pranto”/ “espanto” e “bruma”/ “espuma”, no primeiro caso são consideradas rimas interpoladas, pois aparecem nas extremidades e no são chamadas emparelhadas, pois aparecem uma abaixo da outra, em ambos os casos trata-se de rimas pobres, pois pertencem a mesma classe gramatical.


De / re / pen / te / do / ri / so /fez / -se o / pran / (to)
Si / len / ci / o / so e / bran / co / co / mo a / bru / (ma)
E /das / bo /cas /u / ni / das /fez / -se a es / pu / (ma)
E / das / mãos / es / pal / ma / das / fez / -se o / es / pan / (to)

Na segunda estrofe há rimas entre as palavras “vento/pressentimento” e “chama”/ “drama” estas são consideradas cruzadas ou alternadas e são pobres quanto ao critério gramatical.


De / re / pen / te / da / cal / ma / fez / -se o / ven / to
Que / dos / o / lhos / des / fez / a úl / ti / ma / cha / ma
E / da / pai / xão / fez / -se o / pres / sen / ti / men / to
E / do / mo / men / to i / mó / vel / fez / -se o / dra /ma                                                 

 
De / re / pen / te/, não / mais / que / de / re / pen / te
Fez / -se /de /tris/ te o / que / se / fez / a / man / te
E / de / so / zi / nho o / que / se / fez / con / ten / te 

Fez / -se / do a / mi / go / pró / xi / mo o / dis / tan / te
Fez / -se / da / vi / da u / ma a / ven / tu / ra er / ran / te
De / re / pen / te,/  não / mais / que / de / re / pen / te

Entre a terceira e quarta estrofes ocorrem rimas misturadas, como é o caso de “de repente”/ “contente”/ “de repente” que são ricas, pois ocorrem entre advérbio, adjetivo e advérbio, respectivamente; e de “amante”/ “distante” / “errante” que é pobre pois é formada apenas por adjetivos.

Ainda no âmbito do estrato das formações fônico-linguísticas podemos encontrar no poema a aliteração das consoantes “m” e “n” que se repetem destacando os elementos que denotam mudança ao longo do poema e em alguns casos “m” e “n” representam oposição como em “unidas” / “espuma”, “mãos espalmadas”/ “espanto”, “momento imóvel”/ “drama, “amigo próximo”/ “distante”, dessa forma podemos perceber que a aliteração tem efeito de significação no poema.

De repente do riso fez-se o pranto
Silencioso e branco como a bruma
E das bocas unidas fez-se a espuma
E das mãos espalmadas fez-se o espanto 

De repente da calma fez-se o vento
Que dos olhos desfez a última chama
E da paixão fez-se o pressentimento
E do momento imóvel fez-se o drama 

De repente, não mais que de repente
Fez-se de triste o que se fez amante
E de sozinho o que se fez contente 

Fez-se do amigo próximo o distante
Fez-se da vida uma aventura errante
De repente, não mais que de repente

Também aparece no poema a repetição de palavras, como é o caso das expressões “de repente” e “fez-se”/ “se fez”, essa recurso tem efeito sonoro e também significativo, pois além de causarem semelhança fônica entre versos, as expressões enfatizam as transformações ocorridas (“fez-se”/ “se fez”) apontando o modo como ocorreram, de maneira inesperada (“de repente”).

Por meio da análise do estrato das unidades de significação podemos observar que há algumas figuras de similaridade, como é o caso da comparação que ocorre no segundo verso, no qual o autor associa o pranto á bruma, um noveiro, dando a ambos as características de silenciosos e brancos e da metáfora que aparece no sexto verso na expressão “última chama” que simboliza a fugacidade da paixão e não algo relacionado ao fogo em seu sentido denotativo.

No poema aparece também uma figura de contiguidade no terceiro verso em que a expressão “bocas unidas” representa o beijo e “a espuma” pode ser entendida com representante do sentimento de raiva, sendo, por tanto, metonímias.

Além destas, há no poema, uma figura de oposição que é a antítese, pois ao longo deste vão aparecendo aproximação de ideias contrárias, como exemplo, no primeiro verso “riso” e “pranto”; no oitavo verso “momento imóvel” e “drama”; no décimo e décimo primeiro nos quais há uma troca, em que as oposições “triste” e “contente”, “sozinho” e “amante” aparecem misturadas e no décimo segundo verso no qual aparecem as oposições “próximo” e “distante”.

No estrato dos aspectos esquematizados destacamos que o poema, como o próprio nome indica, descreve uma separação e as mudanças que esta ocasiona. De modo rápido e inesperado tudo vai alterando-se: a felicidade vira tristeza, o beijo vira raiva, as mãos abertas em acolhimento passam para o rosto em forma de espanto, a calma é substituída pelo movimento do vento, a paixão torna-se desconfiança, o momento parado transforma-se no desastre, o amante em triste, o contente em sozinho, o amigo próximo é afastado e a vida vira algo sem destino. Por meio destas mudanças torna-se perceptível a descrição de um eu lírico que agora é triste, desconfiado, sozinho e anda sem rumo.

Já no estrato das objectualidades apresentadas apontamos a separação como algo natural na vida humana que pode ser ocasionada por diversos fatores e que no poema aparenta ser devido a uma decepção.

3          CONCLUSÃO

            A análise exposta neste trabalho apresenta possibilidade de aprimoramento e aprofundamento, mas em sua forma atual já permite permite identificar, claramente, no poema "Soneto de separação" os estratos descritos pela fenomenologia.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

CARDOSO FILHO, ANTÔNIO. Crítica literária. São Cristóvão: CESAD, 2011, p. 63-64.

KIELING, M. S. . Aplicando a fenomenologia de Ingarden: análise do poema Natal, de Lara de Lemos. Letras de Hoje, v. 41, p. 465, 2006.

GOLDSTEIN, Norma Seltzer. Versos, sons, ritmos. 14ed. São Paulo: Ática, 2008.